sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

Holly bird

a pomba mira não tomba: gira
enfrenta a lente intenta a mente comunicar
o indizível observar o impossível esvoaçar interior
libertar o fulgor das suposições alheias e insinuações
meias de hipocrisia cor de inveja se na maresia não
há quem seja vulcão ou verdade padrão ou saudade
sempre a ficção mente... e então? religiosamente
consagrada meticulosamente anunciada chama
fogo interior lama jogo indolor
a Natureza impera é essa a certeza vera: a humanidade
é um segundo na totalidade do mundo
olhado a cores tornado Açores vento poderoso
num tempo moroso falado em português
contado outra vez

M. Lisboa: 2015

Rua da Ribeira - Ribeira Grande: Ilha de São Miguel (fotografia: dulcecor)

terça-feira, 27 de janeiro de 2015

Mar azul condição vida

Ilhas montanha

a terra não faz chover por ser chuva
a guerra não faz crescer por ser turva
embrenhada em nós entroncada voz
preciosa na memória (gloriosa escória)
se distantes da montanha ilha emigrantes
ser tamanha maravilha a nostalgia ficção
fantasia ilusão de identidades ou pertenças
meias verdades (pretensas) insulares
nos manuais escolares mas os antigos saberão
da luta quotidiana dos amigos solidão
ilhas desprezadas pelo poder continental
milhas olvidadas pelo poder central obrigaram
à emigração provocaram o vulcão diáspora
global uma metáfora afinal da repetição cruz
ausente (gratidão pela luz quente) presença
na força imensa de quem ficou para existir
de quem lutou para subsistir sem remessas
são essas outras histórias por contar outras
memórias para valorizar nos corpos depositados
mares mortos atravessados lares ramos de flores
vejamos: Açores

M. Lisboa. 2015

Particularidade em campa - Cemitério da Ribeira Grande: Ilha de São Miguel (fotografia: dulcecor)

domingo, 25 de janeiro de 2015

Mar azul condição vida

Closed (volto já)

não se caminha sobre o mar nem se adivinha
voltar
quando os passos são fronteira mando ou traços
charneira politicamente concreta completamente
desperta e mascarada hipocrisia europeia
transformada elegia e premeia nacionalidades
bem comportadas verdades alvas
sem perceber a água sangue por esquecer a mágoa
estanque: imigrados descartáveis repatriados indesejáveis
um livro fechado um silvo silenciado
deserto sem voz tão perto de nós
como o tempo da distância no tormento da infância
e o mar não se fechará ao retorno irreversível
o lar persistirá como adorno irresistível
para os pensadores legais torturadores e mais
convencidos da justiça embebidos na premissa:
se os actos trespassam a barreira se os factos
ultrapassam a primeira... voltar às raízes ausentes
saudar os juízes presentes num inglês perfeito
o português escorreito esquecido
aprendido noutro país (o natal) outro se diz
afinal pátria ilusão: fátria sem chão

M. Lisboa: 2015

Miradouro do Palheiro - Ribeira Grande: Ilha de São Miguel (fotografia: dulcecor)

sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

Atlantic bird

terra verde medra a sede
há fome miséria e pão
tem nome: séria razão
existem silvas persistem vivas
rabos de peixe enclausurados
e quem deixe: estereotipados
sociedade anulada verdade ensaiada
assistência social incumbência oficial
perpetuada em gerações certificada
em formações políticas ocasionais
míticas ou surreais
nascer sem asas ou tê-las rasas
alimentando o sistema aumentando-lhe
o lema (preparar uma gaiola):
pagar para ver a bola
aprender a voar baixinho
crescer para ficar sozinho

M. Lisboa: 2015

 Rua da Ribeira - Ribeira Grande: Ilha de São Miguel (fotografia: dulcecor)

terça-feira, 20 de janeiro de 2015

Mar azul condição vida

Laboratório

o chão foi criado por nós
corpos gretados maresia
o pão amassado sem voz
mortos marcados travessia
o sangue foi semeado
olhos cerrados ilusão no mar
estanque foi mapeado
corpos fechados porão sem ar
a terra foi povoada por nós
lábios abertos pelo astro
a guerra foi travada por vós
e os sábios presos ao mastro
batuque arrastado do interior
feito negócio chicotada
porque o assimilado condutor
no peito: ócio e nada
o chão foi adubado por nós
as campas rasas da memória
o não foi apagado por vós
as falhas crassas da História

M. Lisboa: 2015

Praia de Santa Bárbara - Ribeira Grande: Ilha de São Miguel (fotografia: dulcecor)

domingo, 18 de janeiro de 2015

Mar azul condição vida

Arquipélago

insulares elementos terra ar fogo
particulares momentos guerra mar: jogo
loucura do mundo barca caravela no fundo
marca e sequela desse mar azul para rumar ao sul
experiência atlântica tornada transparente
adjacência quântica toada impermanente
prisão de narradores desterrados oclusão de clamores
exilados: as penas aplicadas apenas duplicadas pelo
intencional desconhecimento ou fundamental esquecimento:
os barcos negreiros os pardos e os primeiros a povoar
este lugar
arrancados de outras margens acorrentados nas viagens
as ilhas da bruma foram milhas de espuma humana
conquista insana de quem não se vê nem lê: ficou
o relato sagrado restou o pacto combinado e a miscigenação
secular com a reprodução escolar da república imperial
e racista seguida pela ditadura fascista
depois a revolução autonomia: quem diria?
democratizar e desenvolver (falta descolonizar o saber)

M. Lisboa: 2015

Praia de Santa Bárbara - Ribeira Grande: Ilha de São Miguel (fotografia: dulcecor)

sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

Mar azul condição vida

Prólogo

se houvesse outra condição diferente do mito
um acalanto ou ideia insana
soubesse outra civilização gente o não dito
entretanto a teia humana
fia eras multiplicadas cria as feras amansadas
nove ilhas maresia chovem milhas poesia
adjacente memória intuída recorrente estória percebida
domínio de uma só ilha escrutínio sem maravilha
sem identidades insulares diferentes sem verdades
ou lugares presentes o mar perderia a saudade a magia
o mar tragaria a verdade a nostalgia
mede-se o tempo perde-se lento onda infinita miragem
sonda inscrita viagem pelo mito adormecido
dar o dito pelo não dito
universos apagados da História
dispersos afogados sem glória

M. Lisboa: 2015

Praia de Santa Bárbara - Ribeira Grande: Ilha de São Miguel (fotografia: dulcecor)

sexta-feira, 2 de janeiro de 2015

Ontologia poética

Lisboa cidade multiplicada Pessoa identidade elevada
génio segredo? elemento sério medo e desalento teria
o poeta emigrante embriagado cuja meta – migrante retornado –
foi esconder-se africanizado foi querer-se europeizado agregação
social indispensável ilusão igual e responsável hipocrisia
comportamental elegia fundamental tábua de salvação
mágoa na ilusão universo individual independente mas
perverso colonial e indiferente: escreveu-se medo multiplicado
escondeu-se cedo amancebado em procuras eternas loucuras
tabernas: canteiros de heterónimos flores herdeiros anónimos
escritores submersos cantores de versos pintores de gestos
criadores diversos inventores dispersos perpetuam na cidade
vasta continuam a verdade tasca pelo entardecer madrugada
por tudo ser quase nada

M. Lisboa: 2015

Vista para o Rio Tejo - cidade de Lisboa (fotografia: dulcecor)

quinta-feira, 1 de janeiro de 2015

Calendário

Lisboa moderna memória destoa eterna história
cidade impermanente um fado verdade impertinente
legado raiz semeada país madrugada actos distantes
factos importantes: a visão apagada do agora lembrar
solução encontrada no fora mostrar resistências arte
evidências parte montra sentimento contra o esquecimento
adiante... revolução descoberta mediante a imaginação certa
para o presente aproximação pelo diferente a imaginação

M. Lisboa: 2015

1 de Janeiro de 2015 - cidade de Lisboa (fotografia: dulcecor)