sexta-feira, 31 de outubro de 2014

Trapézio


telhados sobem
nuvens fogem na luz
janelas prisões espelhadas
aplicadas simetria
quotidiano dia-a-dia
urbano creditado
avença
força de trabalho
sentença
baralho viciado
jogo cuidado logro
intraduzível ver além
intransmissível ser também
muralha vivida frio
ar condicionado
limalha estendida rio
automobilizado
peregrinação moderna
auto lógica
exploração eterna
patológica


M. Lisboa: 2014

Miradouro - cidade de Lisboa (fotografia: dulcecor)

quinta-feira, 30 de outubro de 2014

Mil novecentos e quantos passos?


perder a pele império
fontanário
saber dele
imaginário
mistério etéreo acontecer arte
irreprimível aparecer parte
irreversível criação
escultura comoção cultura
condicionada paz mas
olhar aberto ao centro
mar deserto dentro
almas marmóreas
tornadas calmas corpóreas olhadas
pouco sonho parece imaginação
voo medonho houvesse intuição
realidades múltiplas absolutas
súbitas impolutas imagens
viagens
empática forma perdura
estática torna escultura pedra
desvario regra se não
desvio padrão patrocinado
mecenato burguês desiderato
francês, britânico ou alemão
oceânico ou lassidão Europa
comporta 
fragmentos em monumentos


M. Lisboa: 2014

Particularidade em escultura - cidade de Lisboa (fotografia: lob77)

quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Trio


proa poesia
busto profecia boa
justo tributo envolto
cal luz vale
atributo mediterrâneo
consentâneo
civilização dita clássica
erudita tácita armadilha
brilha

iluminação centro
ferro forjado
fogo enjaulado
gaseificado tempo
electrificado enfim
mantido assim
combustível escusado
perecível anunciado

luz porta cruz
encarnada
monumento vento
pela quebrada calçada vê-la
alada insiste olhai-a
pisada resiste Gaia


M. Lisboa: 2014

Miradouro - cidade de Lisboa (fotografia: dulcecor)

terça-feira, 28 de outubro de 2014

Terráquea


redenções perpetuadas
insinuações classificadas
patrimónios estatais
demónios leais
representações poderosas
imposições onerosas
públicas bandeiras
repúblicas
maneiras flexíveis
certeiras visíveis
perpetuações preceito
perturbações defeito
cidadania selectiva
hipocrisia legislativa
comemoração oca
participação pouca
a terra na cidade
louca encerra
pessoas ambulantes
Lisboas constantes
impermanentes
distantes presentes
consentidas terrenas
sentidas a
penas


M. Lisboa: 2014

Arco da Rua Augusta - cidade de Lisboa (fotografia: lob77)

segunda-feira, 27 de outubro de 2014

Mil novecentos e quantos medos?


entra surdo passado
tenta mudo ligado
despertar-te reparar
acordar-te recordar
mortes consentidas
sortes confundidas
lemas delação penas
inquisição
memórias esquecidas
proibição
estórias perdidas procuras
espaços misturas laços
medes severa
tormenta
pedes espera isenta
calma esperança serendipidade
alma lembrança
identidade persistes
evasão insistes emoção
festas montas prestas contas
representas imaginas
apresentas procrastinas
ouves ruídos
moves sentidos sinais
perdidos iguais
fogo apagado
Lisboa vê
jogo descarnado
agora sê


M. Lisboa: 2014

Fachada do Teatro Dona Maria II - cidade de Lisboa (fotografia: lob77)


domingo, 26 de outubro de 2014

Tacto silencioso


Gostas de estar perto do rio, os outros preferem o "shopping" ou os jardins do centro, ficas calado para ouvir o mundo e ser invisível; aprendeste a observar as pessoas como se não existisses, trazes livros. Não vens todos os dias, três vezes por semana passas aqui a tarde, hoje é dia sim. Tens a cabeça cheia de sonhos encontrados nas páginas: foste pirata e usaste um escafandro, navegaste oceanos e desvendaste crimes, fugiste com o circo e foste cigano, salvaste donzelas e aniquilaste dragões... Na margem do rio, descobriste.

- A nossa língua tem vindo a transformar-se ao longo de séculos, por exemplo, em África fala-se um português diferente, não é verdade? Aqui o vosso colega talvez nos possa dizer algumas palavras...
- Não, professora.
- Não?!
- Não, eu nunca estive em África... é outro continente.
- Mas nasceu lá...
- Não, professora, nasci mesmo cá. 
- Não precisa de ser agressivo.
- Só respondi.
- Eu não lhe fiz uma pergunta, pedi-lhe exemplos.

A antipatia inicial acabaria por transformar-se em empatia, no final do primeiro período a professora trouxe-te um caixote de livros, sem discursos. Livros em casa. Que importava seres considerado estranho pelos colegas, escrever escondido no rio, se a tua mãe sorria? Inspiraste o ar frio, as palavras do poema acompanhavam o abandono solar, sentiste uma certeza inaudita: é isto.

- Maninho...
- Brother, como é?
- Está-se bem, sempre a mesma cena, na boa.
- E a escola?
- Está-se bem, na boa.
- Tens de estudar, puto... chama só a mãe, yá?
- Yá, fica bem.

O homem tinha a mão cravada no teu braço, já havias transposto a porta quando te apanhou, sem alarido, um toque no ombro e deste com a sua expressão séria; conduziu-te de volta à livraria, fugir nem te passou pela cabeça, um deliquente frustrado. Enquanto caminhavas por entre os livros pareceu-te ouvir a voz dela, sentiste um aperto no coração, percebeste... existiriam consequências. Ele perguntou-te porquê, respondeste com silêncio, na tua cabeça desenrolava-se o futuro recente, apertou-te o braço com mais força, resististe com silêncio mas fitaste-o. Sem palavras.

- Mamã... o lobo também comeu as flores?
- As flores?!
- Sim, mamã, a Capuchinho foi no bosque buscar flores! 

Inconsolável, o livro permanecia no balcão, assistindo ao drama que se desenrolava na sua frente; assim o rapaz entrara na loja, percebera ser aquele o leitor por quem esperava há tanto tempo. Observara-o rondando os mostradores, impaciente por ser notado na sua procura, sabia estar prestes a cumprir o seu destino. Sim, aquele rapaz levá-lo-ia consigo, retirara-o da prateleira mais baixa, livre de Álvaros e Bernardos: estava escrito. 

-  O teu pai?
- Não está.
- Irmãos?
- O mais velho morreu em acidente de automóvel, perseguição policial; outro morreu de uma bala perdida.
- Perseguição policial?
- Sim, e o outro está na prisão, tráfico. 
- Mãe?
- Trabalha em casa de uma senhora, sai cedo e volta tarde.
- Estudas?
- Não.
- Porquê?
- Reprovado por faltas.
- Estamos em Dezembro.
- Eu sei.
- O livro?
- Para ler.
- Há bibliotecas...
- Não tenho vontade de lá entrar.
- Porquê este?
- Tem boas rimas.
- Dá-me um exemplo.
- "Ninguém sabe que coisa quer./Ninguém conhece que alma tem,/Nem o que é mal nem o que é bem...".

Ela ficou surpreendida quando lhe explicaste: passarias a trabalhar nas manhãs de fim-de-semana, obrigou-te a desenhar um mapa do percurso até à livraria, prometeu-te: não vou fazer perguntas, olhou-te séria, vou comprar um livro. 

M. Lisboa: 2014

Particularidade em fachada - cidade de Lisboa (fotografia: lob77)

sábado, 25 de outubro de 2014

Jazigo


eléctrico farpado
eclético anunciado
mistério sina
a ruína
sóbrio cinzento
cobre-o o tempo
branco preto
incolor
franco certo
indolor 
esqueleto
ferros cúbicos
padrões súbitos
formas inusitadas
adivinhadas
geometria estética
inédita possível
imprevisível

M. Lisboa: 2014


Particularidade - cidade de Lisboa (fotografia: lob77)

sexta-feira, 24 de outubro de 2014

Vislumbre


nostalgia amplificada
momento articulado lento
magia iluminada
sentimento tempo
pontilhado pirilampo
cultivado amplo simbiótico 
hipnótico
fusão atómica criação
sónica ponte madrugada 
rompe ensaiada 
sentida 
vida não percebida
construção humana
invenção urbana

M. Lisboa: 2014

Ponte - cidade de Lisboa (fotografia: lob77)


quinta-feira, 23 de outubro de 2014

Carimbo


murais ácidos 
olhais plácidos gritos
mudos dissolvidos ritos
escudos percebidos
expressão urbana
missão profana
manifestos tons
inspiração
protestos dons
realização
momento
tempo arte
em toda a parte

M. Lisboa: 2014

Arte urbana - cidade de Lisboa (fotografia: lob77)

quarta-feira, 22 de outubro de 2014

Instante


não semelhança pessoa
vão balança
luz boa
cidade rio jardim
Lisboa
frio assim cinzento
queima-se o céu momento
teima ser teu 
postal capturado
local ilustrado
típico mítico
babilónia lusa
cruza continentes
gentes instantes
apaixona visitantes
residentes presentes
emigrados fugidos
imigrados sentidos
operários bailarinas
funcionários mudos
canários surdos
poetas crianças
gaivotas lembranças 
estática construção
empática observação
contra a corrente voar
precisamente navegar

M. Lisboa: 2014

Cais das colunas - cidade de Lisboa (fotografia: lob 77)

terça-feira, 21 de outubro de 2014

Céu


escapa-se o verde
intrometido cede
betão armado futuro
senão puro
crédito bancário
édito corsário
camadas humanas
apartamentos
ciladas troianas
comportamentos

gregária sociedade
incubada hipoteca acabada meta
telhados clarabóia
criados paranóia

permanece o verde
presumida vê-de
natureza
resiliente observa
certeza reserva
recursos esgotados
percursos estagnados
gerações humanas
transformação
opções insanas
transposição

gregária cidade 
acabada hipoteca incubada meta
criados clarabóia
telhados glória

M. Lisboa: 2014

Miradouro - cidade de Lisboa (fotografia: dulcecor)

segunda-feira, 20 de outubro de 2014

Panorama


sombra avançada
presa no chão tomba
antecipação nocturna interrompida
diurna insistência mediterrânica
calcetada rua
percorrida atlântica 
representação
sudoeste exótico quase trópico continental
código anterior
encriptadas memórias verdes
circundam muralhas
gralhas cronológicas
simbólicas
ideologia geracional
história formatada
absoluta válida
filosofia manual
conduta pálida glória
inventada oculta
património imaginário
pandemónio identitário sopé
centrada luz dança
reduz avança induz
telhados panorama
pecados drama
humanidades esquecidas
verdades proibidas
tempestades vivas

M. Lisboa: 2014

Elevador - cidade de Lisboa (fotografia: lob77)

domingo, 19 de outubro de 2014

Olhar distante


O cacilheiro sulca o rio pelo balanço das águas, no inverno a noite navega rápido, o azul torna-se cinzento; estás sentada junto à janela, rodeada de seres estranhos, olhos fixos no ritmo exterior. Estás cansada, falar para quem não está disposto a ouvir cansa, cansa muito; chegas do trabalho e não consegues entender-lhes a linguagem, faltam-te as palavras certas. Cresceram num mundo diferente do teu, sem raízes, saíram de ti mas são outra coisa, não os fizeste sozinha, criaste-os. Trabalhaste sempre.

- Sim, senhora. (cabra convencida)
- Chega às 07:30, trata das crianças e leva-as à escola, depois as tarefas diárias... sabe ler?
- Sim senhora. (aprendi na escola)
- Óptimo, torna tudo mais fácil, deixo-lhe uma lista; depois de ir buscar as crianças e tratar delas, confirmaremos ambas se cumpriu. É claro?
- Sim, senhora. (retornada)
- Vai receber à semana, tem direito ao domingo. Nem eu, nem o meu marido apreciamos refeições muito condimentadas, compreende? Nem música alta ou observações extemporâneas, conhece a palavra?
- Sim, senhora. (da elite)

A chegada ao cais soltava os passageiros, andavam com a mesma pressa do percurso matinal, em busca de autocarros, automóveis ou o mais rápido acesso até casa: chegavam, alimentavam-se e dormiam, para a repetição do dia seguinte. Nessa certeza, nesse momento do dia, ainda sobrevive a tua resistência, um passo lento; tens o teu tempo no corpo, criaste outros corpos no tempo, a vida não tem segredos. Só tu.

- Vais deixar o teu país, a tua família, por um homem?
- ...
- A decisão é tua, foste educada a decidir por ti própria, se julgas ser mais útil no país do colonizador quando nos chega a independência...
- Pai...
- Não adianta prosseguir a conversa. Boa viagem, Lisboa espera por ti.

O aprumado funcionário público olhou-te, alternou a mirada entre a tua face e a fotografia do bilhete de identidade, com frieza; deslocavas-te ali pela quinta vez, horas infinitas à espera, para ouvires explicações burocráticas, justificações para a não atribuição da nacionalidade portuguesa. Dois anos de Europa, um filho lusitano e outro a caminho, ainda ilegal. 

- Lá na terra todo o rio é Tejo.
- Mamã, também tem cacilheiro?
- Lá não tem Lisboa, é outra coisa.
- E tem ponte vermelha?
- Tem sonho.

O homem suspirou, pousou o documento de identificação, para repetir-te as perguntas das vezes anteriores. Respondeste. Sim, os teus filhos nasceram no país; não, não são filhos do mesmo progenitor; sim, o teu primeiro companheiro faleceu de doença; não, não sabias do segundo pai; sim, a tua família tinha desaparecido na guerra civil; não, não tinhas mais ninguém. Só os filhos.

- Como sabe estamos a meio do primeiro período... e a situação está complicada.
- Só ontem li as cartas, senhor professor, ele tinha escondido.
- E os recados?
- Perdeu a caderneta.
- Há um horário semanal para atendimento aos encarregados de educação.
- Trabalho o dia inteiro, no outro lado do rio, chego bem tarde.
- É um problema.
- Verdade, senhor professor.
- Estou a referir-me ao seu filho.

A sala da colectividade não estava cheia, menos de duas dezenas de pessoas assistiam à palestra sobre planeamento familiar, mas o orador apregoava com fervor os métodos contraceptivos; findos os primeiros risinhos histéricos, expressões maliciosas ou puritanas, sucederam-se as apresentações e trocas de ideias. Olhaste para a rapariga sentada a teu lado, estava ali porque a convidaras, sem conseguir evitar o reflexo do espelho; no barco, por vezes, as pessoas falam ou escutam-se.

- Estudas?
- Sim, termino o nono este ano.
- É para continuar?
- Pai diz que sim, namorado acha má ideia...
- E tu?
- Gosto de bebés, era bom trabalhar com crianças.

Quando chegaste à entrada da rua viste as vizinhas junto do prédio, o carro da polícia, sentiste o coração apertado, outra morte no bairro, crianças e jovens perdidos; mais próxima percebeste... todos os olhares estavam concentrados em ti: começaste imediatamente a gritar. O primeiro funeral sem carpires outros, depois o segundo, o cemitério tornou-se família.

- A senhora sabia do envolvimento do seu filho, o réu, nestas actividades criminosas?
- Doutor juiz, eu não sabia de nada.
- Minha senhora, segundo os autos, o negócio era feito na residência do réu, ele vivia em sua casa.
- Doutor juiz, trabalho no outro lado do rio, saio cedo para chegar tarde. 

Tarde demais... seria tarde demais para recuperares o filho que ainda tinhas contigo? Ainda não perdera a caderneta mas já não te esperava para jantar; explorava o mundo exterior, um deles. Tinhas medo de o ver transformar-se numa cópia dos outros, arrependidos sem hipótese de redenção, mudos; mas já não sabias fazer-te diferença, não como antes.

- Mamã...
- Diz, querido.
- Por que é que a Capuchinho Vermelho foi no bosque?
- Não sabia do lobo.

Paraste junto à montra da livraria, os títulos estendiam-se à tua frente, presa pelas cores, percebeste uma presença do outro lado do vidro, quando os vossos olhos se encontraram, a impressão de reconhecimento. Sem explicação. Não resististe a entrar no estabelecimento, joelhos tementes ao transpor da porta, para te esconderes por entre os mostradores, parando aqui ou ali, calma aparente. Uma luz mais forte, livros de poesia, percebeste-o quando te aproximaste, sorriste. Depois o balcão.

- Boa escolha, aprecia o autor?
- Desconheço.
- Ah, bom. Vale a pena,  é uma obra...
- É para oferta.
- Com certeza, desculpe não pretendia...
- Para o meu filho.

Não se apaga a memória da viagem, sabes que retornas a Lisboa todos os dias, o rio não termina e os cacilheiros afundam-se em tristezas rotineiras, resistes às chegadas apressadas para saberes que ainda existes. Não desapareceste, ainda consegues sentir-te viva, corpo interior; a memória de um passado extinto pela guerra, o brilho baço da primeira queda transformada em muralha... assumiste o esperado de ti, aceitaste. E agora? 

M. Lisboa: 2014

Arte urbana - cidade de Lisboa (fotografia: dulcecor)

sábado, 18 de outubro de 2014

Marginal


do outro lado
rumo ao sul
construções libertinas
azul alfacinha
margens de montagem
linha
assinalado pórtico 
memória futura 
cingida travessia
grua agregados 
urbanos humanos
população navegante
sobra instante
roda o tempo cobra tudo
momento mudo
ponto cais quanto mais
calculada finança 
selectiva esperança
lucrativa 
democrática fachada 
papão ministério
refrão sério 
praça alegoria
oposta edificação
graça seria
aposta fusão 
mundo cidade
fundo verdade

impermanência

furtadas águas
centros estátuas sob o rio
lama pinho
pântano caminho
linha metropolitana
acima argila humana

M. Lisboa: 2014

Miradouro - cidade de Lisboa (fotografia: dulcecor)

sexta-feira, 17 de outubro de 2014

Espaço

postal ilustrado 
entre 
uma colina e outra 
sob telhados copas
suecas ressuscitadas
tascas copos de três
tintas fachadas
passeios públicos 
luz
em todo o céu alface 
até cegar 
a Natureza rasa
cuidadosamente anémica 
geométrica
disposição implementada
varanda marquise jardim
vidros fora
e o trunfo é pedra 
escultura fantasma invisível
muda presença 
férrea criação decorativa
sobre os degraus outras artes
factos não valem sinais 
fragmentos fogo terra 
outono artesanato 
canteiros  
entre 
uma colina e outra

M. Lisboa: 2014

Miradouro - cidade de Lisboa (fotografia: dulcecor)

quinta-feira, 16 de outubro de 2014

O muro e a lata


árvore ao fundo
destroços
mundo distância 
espaços compartimentados 
urbanisticamente aceitáveis
muros viáveis
sociologicamente
abstractos
académicas hipóteses
concretas
vanguardas outrora 
ignoradas
invisíveis superfícies
plataformas
mercado habitação
descarnado tubo férreo
prolongado corpo 
estereoscópio humano
alteridade tamanha
instalação senha
sob 
fictícios degraus recortados 
poéticas entranhas encimam o ser
criação
estranhas ofertas tem 
sombras também
caminha pela erva daninha 
flor entulho inusitado
quotidiano alterado
arte urbana parte insana
transformação mansa
subversão
lança

M. Lisboa: 2014

Arte urbana - cidade de Lisboa (fotografia: lob77)


quarta-feira, 15 de outubro de 2014

Firmamento

impossível firmar
estrelas
credível olhar
para vê-las sob o esqueleto
carmelita embalsamado
impressão sensível
sensação passado
ruína romântica
nostalgia nacional
beleza
futebol celestial
três grandes
nuvens sob os arcos
antes estrutura
mundivisão
hoje cenário 
coincidente 
contos de fadas
germânicas ou lenhadores
anafados
outros 
pão sem rosas
arquitectura social
política desigual
crítica
europeia salvaguarda
sentido único
ilustração

M. Lisboa: 2014

Particularidade em monumento - cidade de Lisboa (fotografia: lob77)

terça-feira, 14 de outubro de 2014

Capital


fachada de autor
contemporâneo
arquitectura furor
momentâneo
milagre terrífico
científico
monoteísta cultura
construção civil
imposição servil 
autores 
impossíveis
criadores 
incríveis
impedimentos
instituições
momentos
imposições 
inexistência
armada
frequência 
espada social
segundo real
mundo eléctrico
mascarado
tétrico
iluminado

M. Lisboa: 2014

Particularidade em fachada - cidade de Lisboa (fotografia: lob77)


segunda-feira, 13 de outubro de 2014

Carbono 14


horizonte infinito tremendo

ocaso sob a construção 
vozes surdas emudecem
o queimar dos campos até onde 
esticam os músculos
se ultrapassa a dignidade
não replicas
disseram-te: és especial
escola 
a diferença mais próxima da realidade até onde se 
estender a fantasia
transformar o quotidiano 
não argumentas
disseram-te: és essencial
resistência 
única retaliação permitida no segredo
das clandestinas esperanças até onde chegas   
braço da lei tempo  
não te resignaste?
branco infindável ausente azul
disseram-te: és fóssil
não ripostaste?
alimenta a besta enjaulada até onde sabes
ser companhia ninguém
para toda a gente

M. Lisboa: 2014



Tráfego urbano - cidade de Lisboa (fotografia: lob77)



domingo, 12 de outubro de 2014

Escuta activa


As margens do rio estão convertidas em zonas ribeirinhas, padrões urbanos comunitários, caminhas sisudo; os teus passos são largos para compensares o estreito humor do passado recente. Uma discussão com a tua filha neoliberal, única, a principal investidora da livraria que te completa os dias vazios e lhe aumenta a consciência fervorosa. O teu quotidiano divide-se entre estudantes das artes ou bibliófilos, amigos e amigas de aniversariantes,  velhas solteironas e velhos amantes de gatas, investigadores ciosos e intelectuais ingénuos.

- São essas mesmas tecnologias, as inovações de que fala, as responsáveis por nos estarmos a converter numa sociedade de ignorantes.
- É impossível viver num mundo global sem as redes sociais, o poder de comunicar é que articula o mundo e permite a acumulação de saber.
- E de poder.
- Pronto, escuda-se no pós-modernismo... a fuga predilecta dos poetas.
- Extraordinária conclusão, como deve imaginar, nunca tinha pensado nisso antes...
- Dispenso o sarcasmo.
- Muito bem, a fé no progresso é um dos dogmas dos nossos tempos, não é uma discussão nova...
- Sem utopia nada faz sentido.
- E o poeta sou eu...

O vento começava a espalhar-se quando tomaste o caminho percorrido ao contrário, o pulsar dos músculos esforçados fez-te abstrair do sentimento básico de impotência, uma impressão persistente à qual te sentias obrigado a resistir, por isso caminhavas para lá da dor. Como se supera ser desilusão para uma filha? Demoraste cerca de meia hora até ao automóvel, paraste para recuperar a respiração e procedeste aos alongamentos, disciplinado.

- Estás a ser demasiado radical, tens de ser mais tolerante...
- Tolerante?! Cabe a mim ser tolerante? Francamente!
- Não podes esperar o mesmo nível de progresso em todas as mentalidades...
- Não estamos a discutir o socialismo, estamos a discutir o racismo. Não é uma utopia.
- Fomos um país colonizador...
- Bolas! O racismo é uma construção social, um universo definido pelo poder aquisitivo. Tu ensinaste-me isso.
- De acordo.
- Então?!

O adolescente tinha os olhos rasgados presos em ti, irritado apertaste o braço dele com mais força e repetiste a pergunta; os olhos escuros não deram sinal de resposta mas os músculos cingidos retesaram-se. Sem abrandar a pressão do aperto, conduziste o jovem até ao exíguo lavabo e trancaste a porta. Decidiste ligar para a polícia mas algo te impediu: o silêncio. Desde o momento em que o confrontaras com o roubo do livro, o ladrão não proferira palavra e ficara a olhar-te sem se mover ou falar. Talvez não saiba português, pensaste, para te auto-censurares imediatamente, mas... roubar livros para vender?! Abanaste a cabeça, a discussão ainda estava a influenciar o teu dia-a-dia, como se a cor de pele do miúdo importasse... não deve ter mais de dezasseis anos, caramba é menor!, e não sabe que existem bibliotecas públicas? Suspiraste. Telefonaste à tua filha. Depois foste abrir a porta ao gatuno.

-  O teu pai?
- Não está.
- Irmãos?
- O mais velho morreu em acidente de automóvel, perseguição policial; outro morreu de uma bala perdida.
- Perseguição policial?
- Sim, e o outro está na prisão, tráfico.
- Mãe?
- Trabalha em casa de uma senhora, sai cedo e volta tarde.
- Estudas?
- Não.
- Porquê?
- Reprovado por faltas.
- Estamos em Dezembro.
- Eu sei.
- O livro?
- Para ler.
- Há bibliotecas...
- Não tenho vontade de lá entrar.
- Porquê este?
- Tem boas rimas.

Tiveste vontade de gritar ao teu amigo deputado, o problema está na indiferença dos políticos perante negros, pobres, e imigrantes. Mas gritar não se adequava nem ao cenário do vosso almoço semestral, nem ao diálogo costumeiro. Lampedusa era a razão. Falaste no silêncio (cúmplice) dos governos perante a morte de milhares de seres humanos, ele replicou como era premente agir no desenvolvimento dos países de origem. Referiste os meios de comunicação social, como ampliam os discursos oficiais legitimadores da violência contra os negros, ele afirmou a necessidade urgente de investimento em iniciativas multi-culturais. E são as mulheres negras quem suporta um quotidiano, acrescentaste desanimado pelas suas réplicas, onde os mais velhos enterram os mais novos.

- O racismo já foi estrutural na sociedade portuguesa, bem o sabemos, mas é senso comum que está a desaparecer...
- O senso comum, se é que tal existe, confunde-se com racismo estrutural.
- Ouve lá, os argumentos que utilizávamos na altura do colonialismo já não se aplicam...
- O governo tem de encarar o problema da violência contra a juventude negra.
- Precisamente, disseste tudo, contra a juventude negra.
- Não percebo.
- Continuas o mesmo, um poeta que tem um pé neste mundo e o outro no impossível.

A mulher estava parada junto à montra da livraria, observava os títulos estendidos, percebeste a sua presença através do vidro, quando os vossos olhos se encontraram, uma impressão de reconhecimento. Inexplicavelmente. Sentiste os joelhos tremer quando transpôs a porta e cirandou altiva entre os mostradores, escudaste-te no balcão para mirares sem seres visto, ela pousando ou recusando-se livros. O teu coração poderia ter batido mais depressa quando a viste dirigir-se à secção da poesia mas já reconheceras o olhar. Na memória (ainda) o imaginário do império bafiento: surpresa.

- Boa escolha, aprecia o autor?
- Desconheço.
- Ah, bom. Vale a pena,  é uma obra...
- É para oferta.
- Com certeza, desculpe não pretendia...
- Para o meu filho.

"É urgente superar a violência, esta cultura de violência em que crescemos, para combater o racismo"; ficaste preso à comunicação desde a primeira frase, surpreso pela clareza e expressão das ideias, reencontrando-te em emoções prévias ao aburguesamento do teu anarquismo libertário: ambiguidades. Ela não compareceu ao encontro, esperaste até quinze minutos antes da conferência, ansioso em esperanças, para afinal teres de acelerar o passo até à colectividade; mas valeu a pena, pensaste confortando-te, a conferencista comunicava factos inacreditáveis e estatísticas por publicar. Sentiste alguém sentar-se a teu lado. Não precisaste de olhar para saber quem era. Sorriste.

A vida vai começar a galopar quando nascer o primeiro filho, contou-te as palavras ditas pela avó (naquele dia tão longe) e como fechara os olhos para guardar a luz do momento dentro, abraçada à mãe conhecida, sem lhe compreender as palavras mas ciente da sua importância. Contou-te como, desde a morte do primogénito, essas palavras a assombravam por lhes conhecer o inverso. Todos os fins-de-semana sobe até ao cemitério para ver os filhos. Falar com eles. Ela chega, esfrega o mármore para trocar as flores, varre cantando: aí conversam. Tu escutas.

M. Lisboa: 2014

Cais das Colunas - cidade de Lisboa (fotografia: lob77)