terça-feira, 4 de outubro de 2016

Ocorrências

Ocorrência 1

Procurava qualquer coisa, faltava-lhe apenas saber o quê, era-lhe impossível identificar, com certeza, o motor daquela ausência sempre presente. Insatisfação? Talvez... mas de quê? Ou de quem. Quem? Recusava sentir-se refém de outrem, fosse quem fosse, nascera só – morreria só, inadmissível sentir a falta do desnecessário. Barreiras sucessivas, muros erguidos na disciplina preventiva do eu, construções baseadas na verdade suprema: o sofrimento existe. Sábio pressuposto.

- Meditação.
- Mestre...
- Tudo existe dentro de nós.
- Mas...
- As respostas que procuras estão contigo.

Um pedaço de terra, rocha feita verde, impressão numa luz difusa: a memória inicial. O princípio seria o fim? Duvidava. Duvidara sempre. Ego? O suficiente para sobreviver aos acréscimos do inevitável: nascer, envelhecer e morrer. Serenidade? A precisa para não sucumbir aos erros comuns: felicidade, esperança e justiça. Preservar a ausência do desnecessário, insistir na suficiência da racionalidade lógica de quem encontrara a chave: não há cura para o sofrimento. Sábio pressuposto.

- Instrospecção.
- Mestre...
- É impossível olhar para fora sem ver por dentro.
- Mas...
- És a medida de todas as coisas.

O mar azul, ilusão de óptica, reflexo do céu inacessível: a metáfora suprema. Os anjos como engenho de uma máquina movida a pó de estrelas? Gigante monstruosidade gerada pelo imaginário da condição humana. Necessidade de aprovação. Desejo de redenção. Diluir a responsabilidade numa axiologia reduzida a ritos e superstições: suspeitava. Suspeitara sempre. História? A impossibilidade de soltar raízes: a inevitabilidade do era uma vez. E outra. Sempre.

M. Lisboa: 2016

Ilha de Santa Maria - Região Autónoma dos Açores (fotografia: dulcecor)

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